Quando Audrey Hansen abriu os olhos, fitou as botas. Enlameadas, cadarços com os mini logotipos da Terrier. Estava pisando em uma poça de agua turva, cor de ferrugem e seus tornozelos estavam juntos e amarrados com tanta força, que por um minuto achou que os pés não eram dela. Os sentidos demoraram para se aguçar, e a compreensão foi chegando em flashes. Quando levantou a cabeça, os cabelos molhados eram um caos sobre seu rosto, e não podia tirá-los da frente dos olhos, pois suas mãos também estavam presas. Que diabo de sonho é este? Quando seu cérebro registrou tudo aquilo, desde quando ela abrira os olhos, levou apenas três segundos, e então a dor também assumiu seu papel. Uma ferroada no joelho, como um alfinete que entra embaixo da unha, uma dor terrível. Audrey teria gritado mas estava tão confusa, que se limitou a pequenos gemidos olhando para o joelho esquerdo em ruinas. Era uma coisa apavorante e surreal. Aquilo é a minha rótula, oh Deus. A calça acolchoada de esqui estava rasgada da canela a coxa, sua carne rasgada ligeiramente abaixo do joelho subindo ate o lado perna, um sorriso bizarro empapado em sangue. A pele tinha se descolado e pendia para fora, e se podia contemplar o osso branco e a rótula quebrada em migalhas em uma parte, e pedaços pontiagudos de osso salpicavam a ferida. Então ela gritou. O eco se espalhou por todo o recinto junto com o jato de fumaça branca de ar condensado, uma agonia composta de notas de desespero temperada com um choro melódico infantil. Sacudiu o corpo, tentando se livrar das amarras dos braços, mas aquilo só piorou sua situação. O que é isto, Oh Deus o que é isto, socorro onde eu estou? As lágrimas corriam pela sua face, e então ela sentiu frio. Estava frio desde o inicio, e só então resolveu olhar ao seu redor. Estava sentada em uma cadeira de madeira, dentro do que julgou ser uma cabana. Toda de madeira. A porta bem a sua frente a quatro metros de distância, tinha ganchos para pendurar casacos, e a maçaneta interna havia se perdido, ou sido retirada. O cheiro leve de mofo a fez torcer o nariz. Sacos amarrados estavam por toda parte, empilhados junto a uma fornalha desativada, espalhados pelo chão. Alguns dos sacos estavam rasgados derramando de seu interior, lenha cortada. Seria uma cabana de caçador? Olhou para as paredes procurando cabeças de alces empalhadas, ursos ou veados, mas só encontrou quadros antigos e poeirentos, um cartaz com o que parecia ser um esquimó, ela sabia bem, era uma propaganda velha da Sunturnbrew. Panelas, ferramentas de corte e um rifle antigo. Ela respirava aos gemidos, e seus cabelos estavam grudados em todo o rosto. Não sentia os dedos das mãos, e nem os pés. Não fazia ideia de quanto tempo estava ali, olhando novamente para a ferida aberta, e preocupada com uma infecção. Um feixe de luz tênue clareava o chão, vindo de uma janela quase totalmente obstruída por tábuas e cestos de palha velhos. Pela fresta de trinta centímetros, Audrey pôde ver a linha da neve que pressionava a janela pelo lado de fora, como a areia de uma fazenda de formigas pressiona o vidro do recipiente. "Eu caí." Se lembrou. Foi como um flash atravessando seu cérebro, uma dor aguda a fez fechar os olhos com força. Audrey se pôs a pensar, mas era difícil de lembrar-se de qualquer coisa, as imagens vinham embaralhadas, e a dor na cabeça... O lado racional não a deixava gritar novamente. Ficara com medo do que podia atravessar aquela porta se ela gritasse. "Eu estava esquiando... eu estava..." Uma remexida na cadeira, e ela quase gritou novamente, a ferida ardeu como brasa. O recinto todo estava frio, mas ela podia sentir o calor que emanava da perna e do corpo febril, e o cheiro da enfermidade que inundava toda sua volta. "Eu caí, estava indo bem e de repente caí. Algo me acertou... Sim estou me lembrando, algo me acertou na decida. Por que estou amarrada? Por que estou aqui? Isso não pode ser real, eu vou morrer assim?" Estava de cabeça baixa, e as lagrimas caiam na poça turva, e agora ela sabia que era seu sangue que dava o toque final. Audrey não era uma mulher bonita. Sempre gostou mais das coisas dos garotos no colégio do que do festival de maquilagem que era a companhia das garotas. Jogava futebol, e disputava os campeonatos de natação. Tirava notas ruins e fumava desde a quinta série. Parou de fumar no segundo ano. Voltou no terceiro junto da cocaína. Foi em tantos bailes do colegial quanto em sermões na igreja, e havia feito mais sexo do que todas as patricinhas juntas, que achavam muito engraçado caçoar dela por ser tão masculina. Tinha um nariz avantajado, longo e fino por conta dos pais judeus. Sempre magra diferente de tudo em sua família volumosamente avantajada. Mesmo sendo tudo ao contrário, tomou um bom rumo na vida seguindo os conselhos do pai, um agiota e empresário de sucesso no ramo dos empréstimos de automóveis. Parou com as drogas e se formou na faculdade de Economia e assumiu todas as filiais do pai, como única herdeira depois que ele morreu. Nos tempos livres fugia para sua casa de inverno em Hemsedal na Noruega para esquiar, uma comuna com pouco mais de 1.800 habitantes. "Não posso morrer aqui." Suas forças iam embora rapidamente a cada pensamento, já não tinha controle sobre o corpo, queria levantar a cabeça mas estava cansada demais. Dores demais. Duvidas demais, e apagou. Voltou a si novamente, abrindo os olhos devagar, mas estava tudo escuro. O estômago estava se revirando, levantou a cabeça assustada procurando o feixe de luz da janela, mas não há luz a noite. A fumaça saia como jatos a cada respiração difícil. Ficou imaginando como estaria suas mãos. Se estariam roxas por falta de fluxo de sangue, mortas. A perna latejava ferozmente, mas a dor parecia ter sido mascarada pelo torpor do frio que cercava a cabana. Audrey se pegou pensando em como fugir. Não tinha pensado nisso até aquele momento, talvez por causa do horror que se tornara sua perna esquerda, tinha medo até de apoia-la se caso conseguisse se safar. Investigou novamente a cabana agora envolta em sombras, procurando algo por perto que pudesse usar. Estava no meio da cabana, foi colocada no centro, longe de todas as paredes estrategicamente. A poça no chão agora era escarlate, estava perdendo muito sangue e o frio só não acabara com ela por conta das roupas térmicas. Começou a analisar quem poderia a ter capturado. Não lembrava de nada mais que o tombo, e o baque antes de cair de cima de uma encosta que ela não fazia ideia da altura, mas sabia das pedras ocultas na neve lá embaixo. "Posso ter me arrebentado nas pedras. Se eu tivesse pelo menos ideia de como vim parar aqui, quem poderia querer me sequestrar? Eu tenho dinheiro isso faz sentido, mas quem pagaria por mim? Sou sozinha, não tenho filhos ou marido. Meus parentes só tem interesse na minha influência, e se mandam um peru no natal é por que tenho favores pendentes." Ergueu a cabeça se esforçando ao máximo para ligar as coisas, fitando a porta, a maçaneta que faltava. "Se conseguir me livrar daqui ainda tenho que abrir aquilo. Posso usar aquele casaco também para..." Seu sangue congelou de vez.
Havia um casaco grosso de pele rústico e surrado. Estava escuro mas estava lá, antes tinha o gancho, mas Audrey agora via um casaco. Seu coração agora bombeava água gelada para suas extremidades.
"Tem alguém aqui dentro comigo." Só cogitar esta ideia fazia seu estômago dar mais alguns nós. Olhou a sua volta, gemendo sem perceber. Não queria fazer barulho, mas fazia mesmo assim. Olhou para a fornalha, um grande retorcido monte de ferro. Era antiga e tinha uma grade convexa onde se colocava a lenha para queimar, uma coisa redonda com grades, como uma boca monstruosa esperando o momento certo para criar vida e investir contra ela. Virou lentamente a cabeça em direção a janela, a escuridão era total. Tinha medo de se deparar com algo toda vez que movimentava a cabeça. Como ele poderia estar aqui dentro? Só tem um cômodo. Nas suas costas havia sacos de lenha, e um rifle velho pendurado na parede. Esforçou-se para ficar totalmente imóvel. Prendeu a respiração eliminando qualquer ruído. Ficou apenas tremendo de olhos fechados, e pela primeira vez pôde ouvir o som da noite fora da cabana. Um vento uivava no telhado, passando cortando como uma navalha gelada para além, para morrer em estalos rítmicos dos pinheiros em algum lugar ainda mais além. Então escutou algo que parecia uma janela batendo em um dia ventoso. Um baque seco misturado aos uivos do vento, e depois mais uma vez, e uma outra. Parecia se abrir, e bater fortemente logo depois. Abriu os olhos, soltando o ar com um jato branco, tentando identificar de onde vinha o ruído. "Tem outra cabana bem perto desta. E parece não ter ninguém, aquela janela estaria incomodando bastante." Ficou chocada de ainda conseguir usar o raciocínio lógico naquelas condições. Precisava se concentrar. Conhecia muitas pessoas em Hemsedal, conhecia os lugares. Se conseguisse se concentrar em algo comum poderia se localizar. Era possível que estivesse perto de algo que conhecia, e que tivesse visto enquanto esquiava pelas montanhas. E foram tantas as vezes que desceu a montanha, que isso não seria impossível. Lembrou-se de como era o ruído das máquinas refazendo a contensão da neve em uma das suas pistas preferidas a peak av djevelen, Ou o alto falante poderoso do centro de segurança, avisando os esquiadores sobre uma possível tempestade. Era possível reconhecer até o Silêncio de uma determinada parte da decida. Não seria exato, mas ela não iria a lugar nenhum mesmo. Aquela hora, as pistas já estariam fechadas já a um bom tempo. Olhou para o casaco pendurado na porta novamente. "Alguém está por ai. Por que eu não tento chamar? Seria ruim? O que seria pior do que estar morrendo aos poucos presa neste lugar horrível?
-Tem alguém ai?" – Assustou-se com sua própria voz ecoando pelo recinto vazio, e não ouve uma resposta.
-Por favor! – Desta vez quase gritou, a falta de resposta a encorajava, e isso parecia engraçado. – "O que você quer? É dinheiro? Eu posso lhe dar eu tenho dinheiro. Por que você não conversa comigo? Por que estou aqui? por favor se estiver ai apareça." – Só o vazio respondeu com ecos vazios. Então calou-se. Parece que realmente alguém esteve aqui. Talvez tenha checado se eu estava morta, e saiu novamente. Se entrou aqui quando eu estava desacordada, então está me monitorando. Ele me observa. Esse pensamento a perturbou, mas agora estava perturbada demais para se importar. Urinou-se, o liquido quente pareceu agradável, aquecendo suas coxas. Estava com a bexiga a ponto de estourar, e a poça debaixo do seus pés agora aumentava, alimentada pelo fino fio de urina que saia de ambas as barras do traje, enquanto uma sensação de alívio tomava conta de do seu espirito, até acabar e voltar a realidade brutal que se encontrava. Tinha vontade de chorar, mas isso ela já havia feito e não adiantara em nada. Ela queria sair dali, e colocou sua vontade nisto. Ouvia novamente a janela bater la fora. "Alguém deve estar me procurando. Talvez os Gronn, eles podem ter dado falta de mim todo este tempo. Eu estive com a Betty hoje de manhã..." Os Gronn eram um casal Norueguês que viviam na América. Audrey os conheceu em Aspen quando eles esquiavam. Haviam alugado um chalé bem ao lado do seu. Audrey precisou de um pouco de óleo para o gerador, e acabou conhecendo Auvstag e Betty Gronn. Descobriu que eles tinham uma casa em Hemsedal, e que ela era concidentemente ao lado da sua. Desde então sempre se encontravam para as estações de esqui, um esporte comum entre eles. Sim já devem ter acionado a guarda. Posso estar sendo procurada neste momento. Novamente a janela bateu. Audrey levantou a cabeça. E tentou escutar novamente os sons. Ouviu o estômago reclamar ferozmente. Não comia a várias horas, a sede era algo que começava a tomar conta dela, e seu casaco de esqui preto e amarelo com capuz removível, já não estava conseguindo manter seu corpo aquecido. A noite na Noruega nas estações de inverno eram cruéis. Ela devia estar agora tomando chocolate de frente para uma lareira crepitando.
"Alguém vai me achar. Sim alguém vai gritar lá de fora em norueguês procurando por mim, e eu vou sair dessa e descobrir quem foi o desgraçado, e ele vai se arrepender de achar que eu morreria tão fácil, é só questão de tempo. Só tenho que aguentar mais um pouco." Olhou para o joelho, estaria pior se não fosse a temperatura. Estava agradecida por estar tão frio, e ao mesmo tempo em que amaldiçoava o fato da pele do seu rosto estar quase rachando ao sinal de qualquer expressão. Talvez mais uma hora, talvez um ano se arrastou. Audrey não tinha noção alguma do tempo. Seu relógio com bússola e Gps estava no pulso amarrado as costas. Ficou feliz de sentir que os dedos da mão ainda mexiam. O pé direito também respondia com muita dor, mas o esquerdo quase a fazia perder a consciência no simples comando do cérebro em tentar move-lo. A dor era insuportável na área do trauma. A janela bateu novamente, Audrey tinha a cabeça baixa. Estava sonolenta. "Estou Hipotérmica. Não é tão ruim morrer assim, heim? Estava viajando entre a inconsciência, e a vontade de viver. De repente luzes dançavam no canto do olho direito. Pronto, estou morrendo. Hora, não vai ser tão ruim então..."
Uma maré de luz âmbar lambeu suas botas e projetou um triangulo dez vezes aumentado da versão original, formado pelas tábuas da janela na parede oposta. Luz... Subia e descia, tremulava, oscilando como quando você corre com uma lanterna na mão. Um som de motor se fez ouvir, aumentando gradativamente até se tornar uniforme. Audrey levantou a cabeça olhando para a fresta da janela inundada de luz como um zumbi que vê a possibilidade de comer carne humana. "É a porra de um carro."
E então seus olhos arregalaram-se –ESTOU AQUI! ESTOU AQUI! – Seu corpo retorcia-se preso, sacudindo na cadeira, fazendo os pés de madeira sair do chão. Audrey era apenas voz, já não existia dor, e as suas cordas vocais estavam no limite. – ESTOU AQUI! – A cadeira começou a girar para acompanhar o sentido em que a cabeça olhava, conforme ela se sacudia e gritava. –JEG ER HER!- Então o chão se aproximou rápido demais vindo da direita, atingiu seu rosto com tanta força quando ela chegou ao chão sem poder se apoiar, que pode sentir o supercílio direito abrir-se. Seu joelho arruinado bateu contra o outro enviando uma pontada de agonia direto para seu sistema nervoso, Audrey desligou-se novamente mas agora banhada pela luz âmbar que entrava pela fresta. É um farol de um maldito carro...
“Você está muito mal querida”. A voz vinha de longe em ecos, como alguém que grita pra dentro de um poço. “Disse pra você que era perigoso, disse que era desnecessário”. O som ficava cada vez mais nítido. A voz suave parecia estar mais perto, e por um momento se sentiu confortável. Um sorriso tomou conta de seus lábios e ela abriu devagar os olhos. Maldito pesadelo. Audrey estava deitada fitando o teto da cabana. Um chiado escapou de sua garganta. Estava deitada sobre uma maca, e distinguiu uma armação daquelas que se vê nos hospitais para esconder os pacientes, com cortinas imundas e rasgadas num tom azul claro desbotado. Uma haste segurava sua cabeça firmemente presa a maca esmagando sua nuca, e outra semelhante parecia forçar seu quadril, mas Audrey não podia ver. Percebeu que a única parte do corpo que respondia era seus olhos, e eles giravam nas orbitas loucos tentando assimilar o que realmente acontecia. Estou em um hospital.
-Querida você está acordada? - A voz vinha de trás das cortinas-
-Sinto muito você ter ficado tanto tempo esperando pra ser atendida.
Audrey não entendia nada. Escutava a voz e não via a fonte. Era uma voz masculina serena e parecia ser realmente de um médico. Estou em um hospital. Mas olhava o teto de uma cabana. Ouviu um som metálico e um correr de roldanas e passos firmes se aproximaram. De repente, a imagem do teto da cabana foi interrompida por uma cabeça com mascara cirúrgica e touca. A mascara parecia ter sido usada milhares de vezes e a touca estava rasgada.
A única coisa que Audrey viu foi os olhos daquilo. Seu peito se apertou, e seu estômago ameaçou jogar toda a bile para fora.
"Santa mãe. o que diabos é isso?" Audrey apenas chiava, imóvel olhando com repugnância. Ele não tem pálpebras. Os olhos eram descobertos totalmente, e as pálpebras pareciam ter sido arrancadas de qualquer maneira, pois um pedaço de pele ainda residia no canto superior do globo ocular esquerdo, e o cheiro de podre que ele exalava era tão forte, que Audrey não conseguia respirar. Então viu uma mão enluvada aparecer diante do seu rosto, suja com manchas amarelas e vermelhas. Tentou virar o rosto no momento em que ele enfiou o dedo dentro de sua boca, apoiando na língua e puxando para baixo. Audrey soltou um chiado e apertou os olhos e uma lagrima correu bochecha abaixo. Não conseguia mexer a cabeça e os dedos “daquilo” estavam se mexendo dentro de sua boca, com aquelas luvas velhas e nojentas. Sentiu o líquido quente na garganta, depois sentiu-o arder de volta para o estômago. Seus punhos se apertavam com força, e abriam, tentava mexer as pernas mas apenas uma obedecia, movendo o joelho para acima apenas alguns centímetros. Estava presa pelo tornozelo.
-A cor da garganta esta boa vejamos... Me parece não haver dentes ruins també... espere! – Audrey suspirou e fitou a coisa. Sua respiração era como um fole de ferreiro quando ele retirou a mão de dentro de sua boca. Ele estava olhando fixamente para seu rosto.
-Andou comendo porcarias não é mesmo mocinha? Achou que eu não iria descobrir ora ora. – A coisa desapareceu de sua vista. Audrey tentava virar a cabeça para se por a par do que se passava, mas era inútil. Escutou com clareza o som metalizado, como uma tesoura em uma bandeja cirúrgica. Quando voltou ele tinha aquele sorriso nos olhos. Duas orbitas vermelhas e cheias de veias. A única pele no canto do olho esquerdo se mexia horrendamente, indicando o que seria um bizarro piscar de olhos. Seu cabelo era uma coisa rala. Aqui e ali. Brancos, pretos, e até mesmo verdes. Grudados em uma cabeça desigual manchada e ferida. Então aquela voz meio abafada surgiu novamente. Um som amortecido pela única máscara cirúrgica que ele veio a ter na vida, pelo aspecto que se encontrava.
-Vamos ter que resolver este problema antes que se espalhe. – Audrey virou um cubo de gelo quando a coisa ergueu a mão direita. Uma seringa veterinária surgiu, com o formato de pistola e uma agulha que mais parecia um prego. Foi a gota d’agua.
-SOCORRO! SOCORROOO! – Audrey se debatia, tentava rolar ou cair da maca. Qualquer coisa que a afastasse daquele monstro louco com aquela seringa. Ela queria acordar, sumir, desmaiar ou até mesmo... Eu vou morrer.
-SOCORRO! SOCO... – Quando ele a atingiu pareceu que havia lhe batido com uma toalha. Foram algumas horas? Segundos ? ela não sabia. Sabia apenas que quando o seu sistema nervoso conseguiu levar a mensagem ao cérebro, percebeu que não era uma toalha. Era um pedaço de lenha maciço pesado firme. O som de algo quebrando não era do pedaço de lenha, era do seu crânio. Audrey sentiu o silêncio. Podia toca-lo. Tudo era borrado e idiota. Não havia mãos nem dedos, ou mesmo rosto olhos nariz ou orelhas. Era o vazio. Era algo mais. Era o vazio e a dor. Nunca tinha experimentado a dor naquela dimensão. Era como estar sob efeito de drogas poderosas, como assistir ao corpo sofrer sem estar nele. Não tive alternativa querida a não ser aplicar uma dose forte de anestesia. Sua sorte é que eu sou um médico muito especializado. O som era vozes, pássaros, metrô, buzina, o ar condicionado do seu apartamento. Não fazia sentido algum. Ouvia os executivos da empresa fofocando em suas costas. Vamos extrair este bem rápido... Tanta dor. Vinha de tantas formas e sons, cores e níveis que era difícil de saber o que realmente estava contecendo. Pronto... viu não doeu nada sua escandalosa. A droga. Este também está ruim? Ora vamos fazer de uma vez não é mesmo? Agora a dor ia passando e passando. Entrou em um estado de paz total e tudo já não era mais tão branco foi anoitecendo devagar. Os carros pararam as buzinas e os trens já não rodavam nas linhas. Onde estavam os pássaros? Pra onde foi o tempo? Onde está aquela maldita cabana? Bem, você não resistiu meu amor. Vamos ver. Ora! Você é doadora de órgãos? Que gesto maravilhoso!
Enviado por Vini Moutinni
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