Passar naquele lugar, por aquele caminho era algo do qual eu não gostava. O cheiro podre e a falta de iluminação adequada eram realmente motivos, mais do que suficientes, para eu não querer andar naquela rua por volta das onze e meia da noite. A inquietação e o medo aumentavam a cada passo dado. Ao voltar do trabalho para casa o lugar mais rápido e seguro, se assim posso dizer, era aquele.
Contudo, nada
conseguia me deixar mais perturbado do que passar em frente a uma casa muito
antiga, localizada na rua oito. Parecia que eu podia sentir o cheiro tocado a
vento e enxergar o ambiente interno daquele local, pelas janelas quebradas e
envelhecidas. Era estranho, assustador e ao mesmo tempo instigante. Eu crescera
ouvindo diversas histórias a respeito da casa. Histórias de fazer os mocinhos
dos filmes de faroeste se borrar e correrem para não pagar pra ver. Histórias
das quais eu também não gostaria de saber se era ou não verdade. Sempre que
esses pensamentos me vinham à mente, eu apertava mais o passo.
Eu ficava
feliz de chegar em casa e me sentir aliviado de saber que estava tudo bem. No
entanto, naquela noite senti algo estranho e não habitual. Fiz tudo o que tinha
de fazer e fui dormir. Durante o sono, o sonho que tive me colocou em frente à
casa da rua oito e foi algo que realmente parecia ser muito real. De alguma
maneira, eu estava ciente de que era um sonho. Contudo, conforme eu sentia o
frio da rua, um frio que eu estava acostumado e o cheiro que eu também não
conseguia suportar, por mais sonho que pudesse ser eu já não sabia mais
distinguir se era ou não, realidade.
Mas o que importa isso? Estar parado em
frente à casa, era o de menos. Eu já
havia passado por ali diversas vezes. O que poderia dar errado? Era apenas um
sonho, nada mais. No entanto para minha surpresa, surge uma figura estranha
e com uma expressão ameaçadora na porta. Tinha o aspecto de uma senhora de
idade. Seus olhos eram sem vida e sua expressão cansada. Os cabelos que tiveram
sua cor roubada pelo tempo pareciam reluzir ao luar. Ela me encarava e o terror
daquela cena sombria, me faria desejar nunca ter dormido naquela noite. Mas seria aquilo um sonho, apenas?
Simplesmente
eu não sabia o que fazer. Fiquei parado, como uma criança quando vê o irmão
mais velho fazendo besteira e não sabe se fala, ou se fica calado apenas
observando. Pude perceber que os ratos corriam agitados e entravam e saiam dos
bueiros como se estivessem brincando de esconder. De repente, vozes começam a
surgir e parecem um coral de igreja fazendo com que meus tímpanos vibrem com o
terror e eu fique ainda mais congelado pelo medo. A porta da casa se abre e a
figura estranha é sugada pra dentro como se desmaterializasse na minha frente.
Gostaria de ter falado milhares de coisas, mas o medo inconsciente e irracional
não me permitira dar sequer um olá. Como
se eu quisesse dizer algo, realmente.
Acordei
ensopado de suor, e com uma sensação ruim e estranha de como quando você está
com febre. Estava cansado e por incrível que pareça, sentindo ainda o cheiro da
rua oito. A ideia daquele sonho, não ter sido totalmente um sonho, de uma
maneira infantil e até um pouco boba, me perturbou. Logo tratei de voltar à
realidade e dizer a mim mesmo, como homem feito para largar de besteira e
deixar de ser medroso. Parecia até uma criança de oito ou nove anos que não
consegue dormir sozinha por ter medo de coisas que nunca existiram.
No dia
seguinte, fui ao trabalho e busquei na medida do possível passar o meu tempo
ocupando de todas as formas minha cabeça e meus pensamentos. Era difícil
admitir que aquele sonho me perturbara e que ao voltar para casa, algo me dizia
que não ia ser como nos outros dias. Deixa
de bobeira, e fica tranquilo. Vai ser mais um dia, apenas. Mais um dia.
No final do
dia, estava voltando pra casa e chegava o momento de passar por aquele lugar
onde eu realmente odiava passar. A rua oito. Ali perto tinha um bar aonde,
geralmente eu ia com os amigos do trabalho beber e me divertir. Isso antes do
bar fechar e a rua perder o último sopro de alegria e diversão que tinha. A
única coisa que chamava a atenção agora era aquela casa velha e perdida no meio
do nada. Além dela, existia apenas outra na rua, da qual os moradores se
mudaram com medo de tantas histórias e coisas bizarras que aconteciam por ali.
Mas enfim, era apenas uma casa e isso é bobeira. Eu tinha que passar pela rua.
E realmente, por mais que eu tentasse me acalmar era algo que eu não estava
disposto a fazer.
Apertei o
passo conforme sempre fazia, senti um frio congelar meu corpo, um medo
dilacerante e estúpido de alguma maneira. Mas no final das contas, nada
aconteceu. E eu passei. Consegui vencer o que mais me assustou naquele dia. E
eu me sentia muito bem por ter conseguido vencer e... o som das vozes começou a ecoar por toda a
rua. Eram risadas medonhas e irônicas que acompanhavam o vento. Estremeci
totalmente e dessa vez eu desejei estar sonhando, mas não estava. Não é possível, isso não pode estar
acontecendo. Aquilo foi um sonho, isso é um sonho. Só pode ser.
Quanto mais eu
tentava me convencer de que aquilo era irreal, mais a realidade me fazia
afundar em um mar de desespero e medo. Olhei para trás, e quando eu me virei vi
aquela senhora parada em frente à casa, rindo. Com uma
espécie de sorriso sombrio e um leve tom ameaçador. Tamanho medo e terror
explodiram em uma pergunta: O que você quer? Deixa-me em paz!
A figura
estranha gritou: Nunca! E começou a caminhar para dentro da casa até sumir. Eu
por outro lado, corri e corri muito. Acho que se eu estivesse participando de
algum torneio olímpico eu seria o vencedor com folga. Cheguei em casa e tratei
logo de tomar alguns calmantes para me afastar daquelas imagens e tudo aquilo. Não
acreditava no que tinha visto e ainda assim, meu coração parecia querer saltar
pela boca. Finalmente depois de algum tempo eu adormeci. Semanas se passaram
após o ocorrido e nunca mais tornei a ver a figura estranha.
De vez em
quando eu ainda paro em frente à casa da Rua oito. Talvez tentando enfrentar
meus próprios medos. Talvez, para saber se algo vai acontecer, conforme naquele
dia. O tempo vai me fazendo questionar se até que ponto o que eu vi foi real ou
não. Talvez eu estivesse sonhando. Talvez fosse fruto do meu medo e imaginação.
Enfim, quando tudo parece se acalmar, algo estranho sempre acontece. Às vezes,
o cheiro podre e nauseante da rua oito parece surgir do nada, como um aviso.
Como um lembrete de que sonhos e realidade, nem sempre estão tão distantes
assim.
Enviado por: Bruno Tavares
Adorei o conto! Prende a atenção do início ao fim! :D
ResponderExcluirBjs,
Cecília
Obrigado Cecilia! Fico feliz por ter gostado!!
ExcluirShow de bola o conto, muito bom.
ExcluirObrigado!
Excluir