Sabrina descobriu o jogo do copo há pouco tempo. Achou fantástica a sensação de poder conversar com alguém que já morreu ou simplesmente receber sinais de entidades desconhecidas. Na verdade, ela não acreditava que as entidades pudessem fazer algum mal a ela, afinal, quem já morreu não pode ultrapassar a barreira do real. Ela comprou o tabuleiro em uma pequena loja de artesanato. Pediu para que um velho artesão a produzisse com madeira fina e envernizada. Seu orgulho era perceber o copo leve de cristal deslizando pela mesa ao fazer suas perguntas.
Sozinha em casa, ela tinha a certeza de que o movimento do copo não seria falso. Como no filme “O Exorcista”, Sabrina tinha um amigo invisível, era João, um adolescente que foi assassinado por seus pais quando esses voltavam de uma festa, bêbados e o confundiram com um bandido.
Toda noite, Sabrina conversava com João:
- Você não se sente sozinho por ai? O que fica fazendo até eu te chamar?
João respondeu:
- Fico pensando em você.
- Mas eu sempre venho conversar com você!
- Tenho medo que um dia você não venha…
- Sempre estarei aqui. Todos os dias!
- Fico feliz em saber…
Sabrina foi dormir. Dormiu, como uma criança. A conversa com João era como histórias para fazê-la dormir.
No dia seguinte, Sabrina acordou cedo e foi para a aula. Passou seis horas no colégio, como de costume. Mas sentia que algo estava errado. Sentia um vazio no peito. Angustia. Vontade de chorar. Queria chegar logo em casa para conversar com João. Mas sentia um frio na barriga como nunca havia sentido.
Ao chegar em casa, Sabrina encontra sua mãe, parada na porta de entrada com um saco preto em suas mãos. Ela temia pelo que podia haver dentro do saco. Ela sabia que lá estava seu tabuleiro. Mas estaria inteiro? Partido ao meio? O desespero toma conta de Sabrina, quando ouve o grito de sua mãe:
- Vai trabalhar, sua vagabunda!
A mãe de Sabrina abre o saco e joga as cinzas da tabua sobre o gramado. A garota não consegue suportar o ódio e derruba sua mãe no chão. Mãe e filha lutam como dois animais, até que Sabrina agarra o pescoço da mãe e a mata asfixiada:
- O que foi que eu fiz?
Sabrina entra em desespero e corre para dentro de casa. Joga no chão os pratos que estavam sobre a mesa e começa a escrever um alfabeto. Com seu copo sobre a mesa, a jovem começa seu ritual para conversar com seu amigo invisível:
- João, você está ai?
O copo não se move:
- Preciso conversar com você. Fiz algo muito ruim!
Nenhum movimento.
Sabrina começa a chorar. De repente, o copo treme. Parecia um sinal. Sabrina tenta novamente o contato com João:
- Você está ai?
O copo se move em direção a resposta “Sim”, e em seguida movimenta-se para escrever a frase “estou no banheiro”.
A jovem corre desesperadamente para o banheiro, com os olhos inchados de tanto chorar. Ao abrir a porta, uma densa nuvem de vapor deixa o banheiro praticamente irreconhecível. O chuveiro estava ligado. Aos poucos a fumaça vai desaparecendo, deixando a mostra uma mensagem escrita com os dedos no box de vidro: “estou no espelho”.
Sem reação a aquela cena estranha, Sabrina corre até o espelho e fica olhando sua imagem refletida. Depois de poucos segundos sua imagem se transforma na face de João, chorando e com a boca cheia de sangue:
- Porquê você fez isso? Pergunta o espírito:
- Não sei! Ela me deixou fora de controle! Não sei o que fazer!
- Ela está aqui comigo! Ela está me machucando! Ajude-me Sabrina!
Essa foi a última frase de João antes de desaparecer no espelho. Desesperada, Sabrina bate no espelho, na parede e na porta para descarregar seu ódio. Em sua cabeça, ela só consegue imaginar sua mãe estrangulando o pobre João. Em um momento de desespero final, ela grita:
- Vou te buscar, João! Sabrina pega uma navalha de seu pai e passa em seu pescoço. O sangue jorra pelo banheiro inteiro, manchando o box, o piso e o espelho. Mas Sabrina está calma. Ela sabe que tudo isso é pelo seu amigo João. Mas antes de morrer Sabrina vê algo que a deixa apavorada. Seu último movimento é a tentativa de um grito, de desespero e angústia. Algo mais estava escrito naquele box. O choro de João aumenta nos ouvidos de Sabrina, mas o choro se transforma em uma gargalhada macabra. Seus olhos estão vermelhos, sua pele pálida está coberta de sangue e não há mais nada que ela possa fazer, a não ser esperar pelo seu momento final. Seu corpo dá seus últimos espasmos pelo chão. O sangue se espalha por todo o banheiro, até sair pela porta. O pai de Sabrina vê o piso do corredor cheio de sangue que sai do banheiro e abre a porta para ver o que aconteceu. A fumaça começa a se dissipar e ele encontra a filha estendida no chão, com a navalha em uma das mãos e a outra mão apontando para o box, que tinha os dizeres “estou no espelho”.
Ao pegar sua filha nos braços, e chorando como uma criança, ele olha para o espelho sujo de sangue para tentar entender o que havia acontecido. Olha para o rosto de Sabrina, pálido e com os olhos inchados de tanto chorar. Ao abraçar sua filha, o homem descobre que algo mais estava escrito no box, logo abaixo, com uma letra trêmula e menor, os dizeres “minha filha” apareciam quase que escondidos:
- Estou no espelho, minha filha.