segunda-feira, 19 de maio de 2014

A rua 8



Passar naquele lugar, por aquele caminho era algo do qual eu não gostava. O cheiro podre e a falta de iluminação adequada eram realmente motivos, mais do que suficientes, para eu não querer andar naquela rua por volta das onze e meia da noite. A inquietação e o medo aumentavam a cada passo dado.  Ao voltar do trabalho para casa o lugar mais rápido e seguro, se assim posso dizer, era aquele.
Contudo, nada conseguia me deixar mais perturbado do que passar em frente a uma casa muito antiga, localizada na rua oito. Parecia que eu podia sentir o cheiro tocado a vento e enxergar o ambiente interno daquele local, pelas janelas quebradas e envelhecidas. Era estranho, assustador e ao mesmo tempo instigante. Eu crescera ouvindo diversas histórias a respeito da casa. Histórias de fazer os mocinhos dos filmes de faroeste se borrar e correrem para não pagar pra ver. Histórias das quais eu também não gostaria de saber se era ou não verdade. Sempre que esses pensamentos me vinham à mente, eu apertava mais o passo.
Eu ficava feliz de chegar em casa e me sentir aliviado de saber que estava tudo bem. No entanto, naquela noite senti algo estranho e não habitual. Fiz tudo o que tinha de fazer e fui dormir. Durante o sono, o sonho que tive me colocou em frente à casa da rua oito e foi algo que realmente parecia ser muito real. De alguma maneira, eu estava ciente de que era um sonho. Contudo, conforme eu sentia o frio da rua, um frio que eu estava acostumado e o cheiro que eu também não conseguia suportar, por mais sonho que pudesse ser eu já não sabia mais distinguir se era ou não, realidade.
Mas o que importa isso? Estar parado em frente à casa, era o de menos. Eu já havia passado por ali diversas vezes. O que poderia dar errado? Era apenas um sonho, nada mais. No entanto para minha surpresa, surge uma figura estranha e com uma expressão ameaçadora na porta. Tinha o aspecto de uma senhora de idade. Seus olhos eram sem vida e sua expressão cansada. Os cabelos que tiveram sua cor roubada pelo tempo pareciam reluzir ao luar. Ela me encarava e o terror daquela cena sombria, me faria desejar nunca ter dormido naquela noite. Mas seria aquilo um sonho, apenas?
Simplesmente eu não sabia o que fazer. Fiquei parado, como uma criança quando vê o irmão mais velho fazendo besteira e não sabe se fala, ou se fica calado apenas observando. Pude perceber que os ratos corriam agitados e entravam e saiam dos bueiros como se estivessem brincando de esconder. De repente, vozes começam a surgir e parecem um coral de igreja fazendo com que meus tímpanos vibrem com o terror e eu fique ainda mais congelado pelo medo. A porta da casa se abre e a figura estranha é sugada pra dentro como se desmaterializasse na minha frente. Gostaria de ter falado milhares de coisas, mas o medo inconsciente e irracional não me permitira dar sequer um olá. Como se eu quisesse dizer algo, realmente.
Acordei ensopado de suor, e com uma sensação ruim e estranha de como quando você está com febre. Estava cansado e por incrível que pareça, sentindo ainda o cheiro da rua oito. A ideia daquele sonho, não ter sido totalmente um sonho, de uma maneira infantil e até um pouco boba, me perturbou. Logo tratei de voltar à realidade e dizer a mim mesmo, como homem feito para largar de besteira e deixar de ser medroso. Parecia até uma criança de oito ou nove anos que não consegue dormir sozinha por ter medo de coisas que nunca existiram.
No dia seguinte, fui ao trabalho e busquei na medida do possível passar o meu tempo ocupando de todas as formas minha cabeça e meus pensamentos. Era difícil admitir que aquele sonho me perturbara e que ao voltar para casa, algo me dizia que não ia ser como nos outros dias. Deixa de bobeira, e fica tranquilo. Vai ser mais um dia, apenas. Mais um dia.
No final do dia, estava voltando pra casa e chegava o momento de passar por aquele lugar onde eu realmente odiava passar. A rua oito. Ali perto tinha um bar aonde, geralmente eu ia com os amigos do trabalho beber e me divertir. Isso antes do bar fechar e a rua perder o último sopro de alegria e diversão que tinha. A única coisa que chamava a atenção agora era aquela casa velha e perdida no meio do nada. Além dela, existia apenas outra na rua, da qual os moradores se mudaram com medo de tantas histórias e coisas bizarras que aconteciam por ali. Mas enfim, era apenas uma casa e isso é bobeira. Eu tinha que passar pela rua. E realmente, por mais que eu tentasse me acalmar era algo que eu não estava disposto a fazer.
Apertei o passo conforme sempre fazia, senti um frio congelar meu corpo, um medo dilacerante e estúpido de alguma maneira. Mas no final das contas, nada aconteceu. E eu passei. Consegui vencer o que mais me assustou naquele dia. E eu me sentia muito bem por ter conseguido vencer e...  o som das vozes começou a ecoar por toda a rua. Eram risadas medonhas e irônicas que acompanhavam o vento. Estremeci totalmente e dessa vez eu desejei estar sonhando, mas não estava. Não é possível, isso não pode estar acontecendo. Aquilo foi um sonho, isso é um sonho. Só pode ser.
Quanto mais eu tentava me convencer de que aquilo era irreal, mais a realidade me fazia afundar em um mar de desespero e medo. Olhei para trás, e quando eu me virei vi aquela senhora parada em frente à casa, rindo. Com uma espécie de sorriso sombrio e um leve tom ameaçador. Tamanho medo e terror explodiram em uma pergunta: O que você quer? Deixa-me em paz!
A figura estranha gritou: Nunca! E começou a caminhar para dentro da casa até sumir. Eu por outro lado, corri e corri muito. Acho que se eu estivesse participando de algum torneio olímpico eu seria o vencedor com folga. Cheguei em casa e tratei logo de tomar alguns calmantes para me afastar daquelas imagens e tudo aquilo. Não acreditava no que tinha visto e ainda assim, meu coração parecia querer saltar pela boca. Finalmente depois de algum tempo eu adormeci. Semanas se passaram após o ocorrido e nunca mais tornei a ver a figura estranha.
De vez em quando eu ainda paro em frente à casa da Rua oito. Talvez tentando enfrentar meus próprios medos. Talvez, para saber se algo vai acontecer, conforme naquele dia. O tempo vai me fazendo questionar se até que ponto o que eu vi foi real ou não. Talvez eu estivesse sonhando. Talvez fosse fruto do meu medo e imaginação. Enfim, quando tudo parece se acalmar, algo estranho sempre acontece. Às vezes, o cheiro podre e nauseante da rua oito parece surgir do nada, como um aviso. Como um lembrete de que sonhos e realidade, nem sempre estão tão distantes assim.

Enviado por: Bruno Tavares

4 comentários:

  1. Adorei o conto! Prende a atenção do início ao fim! :D
    Bjs,
    Cecília

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